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Wilson Maingué Neto: na assistência à saúde, a limitação probatória torna o mandado de segurança inadequado

O procurador do Estado, Wilson Maingué Neto, fala sobre seu livro, e também sobre outros temas, como o respeito aos precedentes ao se calcular pagamentos de precatórios

Por APREMS
08/03/2021 · Notícias

As demandas por assistência em saúde estão entre as mais corriqueiras e, consequentemente, as mais volumosas da advocacia pública no Brasil em todas as esferas, estadual e federal. 

A experiência de atuar por oito anos neste setor na Procuradoria Geral do Estado de Mato Grosso do Sul, deu ao Procurador do Estado Wilson Maingué Neto, o conhecimento suficiente para ampliar e difundir o conhecimento sobre as demandas deste setor.

Wilson é autor de livro que analisa a inadequação do mandado de segurança como instrumento para se obter assistência.
Estudioso do Direito, o procurador, que ingressou na PGE em 2005, e já passou por Três Lagoas, pela Secretaria de Saúde, pela Procuradoria de Assuntos Tributários, e agora atua no setor de cumprimento de sentenças e precatórios, compartilha parte de seu conhecimento e impressões sobre os desafios da advocacia pública nesta entrevista. 

Conte-nos sobre seu livro: “MS, o Mandado de Segurança e o Direito à Assistência à Saúde”. Como foi o processo para analisar essa demanda processual, tão recorrente na advocacia pública?
Eu na verdade comecei a atuar na área de saúde quando esse assunto estava no começo. Hoje é uma demanda tão corriqueira, que é muito diferente do tempo em que eu comecei (em 2007). Naquela época havia  poucas ações. 

A nossa preocupação sempre foi de que as políticas públicas tivessem preferência sobre as ações judiciais, que o gestor pudesse atender o maior número de pessoas e não ter os recursos públicos desviados para atender exclusivamente uma ação judicial, de uma única pessoal

Existe um limite para a causa de pedir do MS quando se trata do direito à assistência à saúde?
O mandado de segurança é uma ação judicial inadequada para defesa do direito à assistência à saúde, porque ele não permite a produção de provas a respeito da condição clinica do paciente. Temos a necessidade de se obter informações sobre o quadro clínico, o que demanda uma prova pericial. E isso não está de acordo com as regras do mandado de segurança.

Nós sempre nos debatíamos por essa questão processual da inadequação do mandado de segurança para defesa do Direito à Assistência à Saúde, porque ele tem uma limitação probatória em seu rito processual.

Fale-nos sobre a diferença dos argumentos alegados no mandado de segurança e nos outros tipos de processo para se obter a assistência?
Justamente a questão da limitação probatória inviabiliza uma adequada análise do perigo da demora. E existe em nosso ordenamento jurídico, já desde 1994, a possibildade da tutela antecipada em ações diversas do mandado de segurança, de modo que o sujeito que precisa de uma liminar, pode muito mais eficazmente defender o seu direito, e por outro lado o Estado pode contraditar essa pretenção mais eficazmente. O mandado de segurança é inadequado tanto para o autor quanto para o réu.

Trabalhando atualmente no setor de precatórios, como avalia os novos acordos que estão sendo conduzidos pela Procuradoria Geral do Estado?
Uma grande conquista, tanto do Estado quanto do credor. Trata-se de um acordo bom para ambas as partes: para receber mais rapidamente, do ponto de vista do credor, e para o Estado, resulta numa redução sensível dos valores a serem pagos.

Do ponto de vista de nós procuradores é uma responsabilidade e algo um tanto gratificante, e uma contribuição muito importante para reduzir os custos, desdobrando valores  para outras atividades mais importantes. A PGE também tem uma atividade importante na economia de recursos, e a partir daí, ajudar o Estado a atingir seus grandes fins.

A reação dos credores tem sido positiva?
Satisfação dos credores existe tanto entre as pessoas que têm idade maior, mas também entre as pessoas que têm problemas de saúde e as pessoas que têm valores pequenos a receber do Estado. Não faz sentido uma pessoa que tem um valor muito pequeno a receber, esperar muito tempo. Então, tudo isso ajuda a esses três tipos de credores. Idosos, doenças mais graves, e os pequenos credores.

Está desenvolvendo alguma outra pesquisa no momento?
No momento não estou atuando em pesquisas jurídicas. Agora minha atuação está mais focada nos aspectos periféricos das ações judiciais quando o Estado já perdeu. 

É quando o Estado tem uma sentença desfavorável a ele, que transitou em julgado e não cabe mais recursos. Então, a maior parte do meu tempo é dedicada a discutir aspectos periféricos como correção monetária e taxa de juros, porque com isso nós conseguimos uma redução sensível do valor da dívida do Estado. O objetivo é conseguir fazer uma redução. 

Por vezes, o débito é até pequeno. Outro dia tinha uma dívida de R$ 11 mil. Por  causa de juros e correção monetário, foi para R$ 2 mil. Pode parecer um trabalho grande para um resultado aparentemente pequeno, mas quando se economiza R$ 9 mil aqui, R$ 5 mil ali, outros R$ 2 mil aqui (...), pelo fato de que o Estado tem uma litigância de massa, você consegue alguns milhões de economia discutindo somente juros e correção monetária.

Como andam os critérios para aplicação dos juros e das correções monetárias? Ainda mais nesses dias de juros historicamente baixos que estamos vivendo?
O Supremo Tribunal Federal (STF) uniformizou a questão dos juros e correção monetária em face da fazenda pública. Primeiro com uma decisão em 2015, e outra em 2019. Atualmente há uma boa uniformização nos critérios de juros e correção monetária, mas temos ainda muitos processos antigos, em que há uma diversidade de índices, e as coisas ainda não estão uniformizadas. Então vai levar um bom tempo para haver essa uniformização. 

O problema dessa falta de uniformização, é que ela gera insegurança jurídica, e também um prolongamento dos processos judiciais.

Os processos judiciais poderiam ser resolvidos mais rapidamente, se todos os processos tivessem a mesma taxa de juros e a mesma correção, e se não houvesse discussão sobre isso.

Porque muitas vezes essa discussão é feita posteriormente ao trânsito e julgado. É uma reabertura de uma discussão que poderia estar encerrada.

A velocidade da discussão de juros e correção no judiciário, acompanha a realidade dinâmica do mercado?
Eu na verdade entendo que o mais produtivo é o respeito aos precedentes. Então, quando se estabelece um precedente, como foram esses de 2015 e de 2019 do STF, e respeita o precedente, sem modificações na decisão, se reduz a litigiosidade, o tempo dos processos judiciais, desestimula a interposição de recursos porque já se sabe qual é o resultado.

Portanto, o respeito aos precedentes é muito importante para garantir celeridade à Justiça. Essa, inclusive, é uma lógica do processo civil de 2015, que é a formação de precedentes, o respeito aos precedentes, e uma baixa modificação dos precedentes.

E veja bem: não significa assim que os precedentes sejam cristalizados e não possam ser alterados. Mas sim que deve haver uma preocupação em não mudar os precedentes, e essa preocupação tem de ser muito intensa, porque a cultura jurídica brasileira é de despreocupação com os precedentes. 
O que fazer para reduzir a litigiosidade? Respeitar os precedentes, com unhas e dentes.

Como a advocacia pública tem contribuído para modernizar e facilitar os julgamentos?
Existe todo um trabalho criterioso na PGE, no sentido de idenficar algumas demandas de massa que estão sedimentadas na jurisprudência, e que justificariam a não interposição de recursos, inclusive com uma coisa importante, chamada efeito genérico, em que o procurador faz um pedido ao seu chefe no sentido de não recorrer naquele processo, de um caso recorrente, argumentando que seria importante que em todos os casos futuros iguais, não houvesse recursos.

Existe na PGE-MS, uma quantidade muito grande de dispensas genéricas de recursos. Cotidianamente, para se ter uma noção, eu mesmo deixo de recorrer, de cinco a dez casos por semana. É uma contribuição importante para redução da litigiosidade e redução do tempo do processo. E isso tudo também está ligado à questão dos precedentes: quando o Judiciário estabelece um precedente, e demonstra que ele vai respeitá-lo, a PGE fica então mais à vontade para decidir não recorrer em uma determinada situação. Um trabalho que se complementa: o Judiciário e a PGE juntos, no sentido de se reduzir a litigiosidade.